OSÓRIO, HULK E O MISTER M . sobre os espetáculos — edital — e — bola de fogo — de fábio osório

DO HIATO, LITÍGIO
4 min readApr 17, 2021
Foto de Isabela Bugmann

[Não diria que Osório veste-se niilista. Diria nudista. A nudez é alçapão e alavanca do seu fazer artístico. Estar nu, ou desnudar os limites, acionar outros campos de visão, outros toques/outras zonas, mostrar o suor do poro pelo lado inverso]

[Assisto Edital, espetáculo de Fábio Osório online, e involuntariamente faço contrapontos e conectivos com seu mais último espetáculo, visto por mim no Goeth Institut em Salvador: Bola de Fogo. Pensei como estruturar essa escrita pra falar duma reinvenção, ou duma pessoa que se reinventa. Decidi que usaria, então, num frêmito, a mesma estratégia criativa de Osório: O Backstage autobiográfico. Repente, essa crítica não é mais sobre ele, mas sobre mim, sobre o meu processo de escrita dessa crítica, os pingos dos “is”, o pega-pega dos axônios entre o que vejo e o que falo, ou melhor, escrevo. Resolvi então, pra começo, alterar o título]

OSÓRIO, HULK, MISTER M E MARAT

sobre o processo de uma crítica a partir de Edital e Bola de Fogo

[Bom, acordei era bem cedo e tomei um café. Peço perdão pela minha nada emocionante vida de crítico e diria clichê. A cafeína quase já é metonímia da escrita. Liguei o computador. Comecei a rever o espetáculo Edital na mente que vi online semana passada. Claro, as impressões do dia, não são as mesmas de hoje, e nem seriam presencialmente. Mas, de alguma forma, o tempo matura a vista e guardar Edital numa pasta de arquivo entre o hipotálamo e a retina durante uma semana, me fez reabrir outras pastas, como a de Bola de Fogo, por exemplo, espetáculo em que Osório, vestido de Baiana de Acarajé, narra histórias pessoais, Itans e informações sobre esse fenômeno performativo, as baianas.

Percebi que no multilinguismo dele, entre dança, teatralidade, performatividade, plasticidade, existe um hipocentro: a verdade objetiva. Não diria parrésia, pois há inserções autoficcionais, mas uma tentativa de buscar a si mesmo, numa leitura tão cotidiana e objetiva da coisa, que acaba por ser demasiadamente profunda, ou friccionar os seus ofícios (vendedora de acarajé com performer, por exemplo, ou produtor com corpo-que-vê-que-move-que-fala), embora entendamos que em toda baiana já exista a fricção entre esses exercícios, ainda que não seja consciente (na sintática), elas performam.]

[No processo de escrita me lembrei do Mister M, aquele mágico mascarado que presa a revelação do truque, o bastidor, a câmera por detrás dos falsos fundos. Seria Osório o Mister M do teatro baiano? Ou seria o Hulk? Não, mas já disse que não se trata de um niilista. Em Edital, narra com uma metalinguagem muito gostosa e bem humorada o processo de como foi criar esse espetáculo, com a abertura de um edital, para que pessoas inscrevessem propostas. Acaba por revelar o trâmite curador e fazer disso a própria cena, que caminha entre o técnico (produção), desde a feitura a análise, por exemplo, e remixes das propostas cênicas enviadas, inseridas dentro do contexto estético da obra como um todo. É como um crítico que revela seu processo de escrita e faz uma suruba entre um mágico, um ator, um super-herói e seu próprio eu-lírico.]

[Eu costumo beber água quando escrevo. Chamo de mini-procrastinações. Quando a coisa tá no auge do interessante, me vem repentina sede. Largo o teclado. Vou a geladeira e encho o copo d’água. Sempre fica excedente. É como se a água confirma-se uma ideia. Assenta-se-a na beirada do estômago. Como agora por exemplo]

[Já em Bola de Fogo, a revelação também é de ofício, embora não seja total. Enquanto narra autobiograficamente, prepara acarajés no espaço, fazendo todo ritual, físico e metafísico, mas não revela toda a feitura, quando se trata do manejo de ingredientes e temperos, por exemplo, já nos deparamos com a dança entre corpo, colher de pau e caldeirão, na massa pré-feita. Para nós fica a curiosidade que toda receita sugere, o “feijão, cebola e sal a olhômetro”, a mágica saborosa e o Hulk no tabuleiro, manchado de dendê.]

[Não sou muito falante. Me vejo mais comunicólogo na escrita, então sempre me tensiono se extenso. Faço um shibari na minha prolixidade, engulo outras tantas coisas que queria falar como a impressora, o tempo e a espacialidade de Edital ou a playlist de Bola de fogo e termino aqui essa escrita, indo tomar mais um golinho d’água. Sou um crítico, treinando ser uma “Drag Frankstein”]

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DO HIATO, LITÍGIO

Lacuna para escritos e reverberações críticas de obras de artes — por Padmateo